País coordena negociações e suprime trechos que provocavam divergência entre os países
RIO - O Brasil assumiu ontem a responsabilidade de coordenar os processos diplomáticos na Rio+20 e, logo de cara, anunciou uma revolução nas negociações. Por volta das 18 horas, foi apresentada aos países uma nova versão do documento-base da conferência, livre de colchetes - maneira como os trechos que contêm divergências são assinalados no texto. Um novo "rascunho zero", de certa forma, com o objetivo de conciliar posições e facilitar as negociações.
O documento tem 56 páginas, cerca de 25 a menos do que o documento
que estava sendo negociado até anteontem. "Emagreceu bastante", disse o
ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, em entrevista
coletiva. O documento não foi divulgado oficialmente à imprensa.
Um dos pontos de maior conflito retirados do texto foi a proposta de
criar um fundo internacional de apoio ao desenvolvimento sustentável, no
valor de US$ 30 bilhões por ano, defendida pelo Grupo dos 77+China (que
representa mais de 130 países em desenvolvimento, entre eles o Brasil) e
rejeitada pelos países em desenvolvimento, que arcariam com a maior
parte da conta. A proposta agora resume-se a um compromisso genérico de
"mobilização significativa de recursos", sem menção a cifras, datas ou
origem do dinheiro.
Também foram retiradas algumas das menções explícitas ao princípio da
responsabilidade comum, porém diferenciada (RCPD), que o G-77 tentava
introduzir no texto, mas incomodavam os países desenvolvidos.
Estabelecido oficialmente na Rio-92, o princípio de RCPD atribui aos
países mais desenvolvidos a responsabilidade maior sobre os problemas
ambientais do planeta. O princípio ainda é mencionado em alguns trechos,
como o que trata das mudanças climáticas, mas foi retirado de outros,
como o que descreve a "visão comum para atingir o desenvolvimento
sustentável".
Com relação aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS),
embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, explicou que a Rio+20 deverá
definir uma lista de temas a serem contemplados, mas não estabelecer
metas específicas para cada um deles. Isso seria definido por um
processo de negociação subsequente, com prazo para ser concluído até
2015, ano em que vencem os atuais Objetivos do Milênio da ONU.
Figueiredo argumentou que metas numéricas precisam ser baseadas em
critérios técnicos e científicos, que dependem de consultas à comunidade
científica internacional.
Uma cópia do rascunho obtida pelo Estado não cita nenhum tema no capítulo de ODS.
Estratégia. O fato de não haver colchetes no rascunho não significa
que há consenso sobre o novo texto. Significa que foi feita uma nova
redação, "limpa", na tentativa de acomodar todas as posições e facilitar
as negociações daqui para frente. A meta do Brasil, segundo Patriota, é
"fechar" o texto até a noite do dia 18, para que ele possa ser entregue
sem pendências aos chefes de Estado que se reunirão no Rio a partir do
dia 20, na sessão final de alta cúpula da Rio+20.
Figueiredo Machado ressaltou que não se trata de um texto
"brasileiro", mas de uma proposta de redação conciliatória, escrita com
base em todas as negociações realizadas até a noite de anteontem. "É um
texto consequente das negociações, não é algo que o Brasil inventou",
afirmou o diplomata, negociador-chefe do Brasil na conferência.
Considerando que o Brasil assumiu ontem a coordenadoria das negociações,
porém, assume-se que o País foi o "redator-chefe" do novo rascunho.
Segundo um diplomata do Itamaraty, a apresentação de um texto "limpo"
desestimula a introdução de novos trechos conflituosos que possam
travar as negociações no último momento. O que pode ser positivo, se o
rascunho for suficientemente forte, ou negativo, se o rascunho for fraco
em termos de decisões e compromissos.
"É uma estratégia arriscada porque o governo, ao assumir a liderança
das negociações, se comprometeu a buscar um documento forte. Mas ao
trazer rapidamente um texto sem colchetes para a mesa, corre o risco de
ele não conter a ambição esperada", afirmou Carlos Rittl, do WWF, antes
de conseguir avaliar o texto. Daniel Mittler, coordenador de políticas
do Greenpeace, avalia como positiva a estratégia de propor um novo
documento para destravar as negociações. "Não é o futuro que queremos,
mas o futuro que precisamos", afirma.
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